Tuesday 26 June 2007

...



"Às vezes estou quase a desistir.
Então, penso em ti, Filhote
Ontem, hoje, agora...
E aquela vontade de partir,
Esmorece,
Ontem, hoje, agora...
Como a noite à luz de um archote,
Como a noite ao romper da aurora.
E a felicidade,
Acontece,
Ontem, hoje, agora...
Sempre!

Naqueles momentos de fraqueza,
Eu sei bem do que preciso.

Do teu abraço tenho a certeza,
E também do teu sorriso.

Do teu sorriso envolvente...
e terno.
Do teu abraço firme, forte...
e fraterno.

Mesmo quando o destino é duro
E a vida um poço escuro e fundo,
No teu abraço forte eu me seguro,
E consigo agarrar o mundo.

E aquele poço escuro e profundo,
Que até aí a alma me inundava,
Torna-se claro e acessível ao mundo
E a noite eu já não confundo,
Com a alegria da madrugada.

Vivemos sempre com a verdade
Mesmo quando o risco pisamos
Sabemos da nossa cumplicidade
E sem aclarar não nos vamos.

E sempre que a contrariedade
Nos acontece e tolhe o paço
Buscamos a nossa amizade
E trocamos o “tal” abraço.

Assim como tu sabes que me tens, sempre, aí.

Eu também sei que te tenho, sempre, aqui."

By AV - Barreiras

Recantos...



"Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."


Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar Novo (1958) – Ausência

Queda...



"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

By Álvaro de Campos – Poema em linha recta